quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Carnaval ao som da Rabeca

Soube na manhã de hoje, vendo os jornais da capital e os sites da internet, que o Bal-Masqué 2009 homenageará ninguém menos que Mestre Salustiano, famoso puxador de Cavalo Marinho do espaço Lumiara Zumbi que, infelizmente, nos deixou em novembro de 2008.

A homenagem é mais do que justa. Ninguém lutou tanto para deixar vivo o espírito do Cavalo Marinho, folguedo popular tradicionalíssimo da cultura pernambucana, como Mestre Salu. Ensinando a arte da rabeca (violino feito de madeira de onde se tiram sons agudos) aos seus filhos e demais interessados que compareciam ao espaço pelo menos uma vez por mês, Salustiano destacou-se também por levar nossas tradições para além-mar, tocando no velho continente e em outras partes da América. Evidente que Salu não é o único mestre rabequeiro ou de Cavalo Marinho em Pernambuco, mas é, ao menos, o mais conhecido.

É interessante analisarmos a estrutura do Cavalo Marinho, uma festa popular, onde através de uma grande encenação feita ao ar livre e com a participação direta da platéia no elenco, a duração pode chegar a ter 8 horas (com intervalos, claro). Personagens conhecidos como Babau, Capitão Tiridá, Bastião, Matheus, Catirina, entre outros dão ao folguedo um tom satírico e ao mesmo tempo popular, buscando identificar-se com cada elemento que forma o povo nordestino. Durante a festa, há muita bebedeira, contam-se causos populares e dança-se bastante também.

Seu legado merece ser reconhecido e transformado, para que sobreviva forte na cultura do estado por, pelo menos, mais 100 anos. Os que aprenderam e tiveram a mesma alegria que o "Mestre da Rabeca" estão, com certeza, tendo a mesma luta e o trabalho que Salu teve: lutar contra o esquecimento, a desvalorização da cultura e, principalmente, a falta de incentivo financeiro para realizar projetos sociais envolvendo a cultura e a formação cidadã.

E vamos lá pular ao som da rabeca o nosso carnaval...

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Centenário de Vitalino

Nesse ano de 2009, a cultura pernambucana está mais uma vez voltando sua memória a seus artistas que fizeram renome internacionalmente. Em julho, Caruaru estará em grande festa com as comemorações pelo Centenário do nascimento do famoso Mestre Vitalino.

Vitalino nasceu de família humilde e que trabalhava com o massapê (tipo de solo barroso encontrado no Nordeste) fazendo esculturas e vasos. Logo, o garoto tomou gosto pela arte familiar e começou a mostrar seus primeiros dons artísticos ainda aos 12 anos. Depois, aos 15, interessou-se pelo forró, formando um trio pé-de-serra com mais 2 parentes. Mas foi no ramo da arte cerâmica que ganhou notoriedade mesmo.

Em 1956, a obra de Vitalino deixou o Nordeste e ganhou o mundo. O Museu do Louvre, em Paris, guarda exemplares dos famosos bonecos de barro feitos pelo mestre ainda em sua primeira fase, quando não tinham cores nem muito menos detalhamentos mais específicos, como os contornos dos olhos e bocas. Rapidamente espalhou-se pelo Brasil a fama de Vitalino com um homem que retratava através da arte os assuntos cotidianos, o sofrimento e o modo de vida do povo nordestino, bem como aspectos culturais de Pernambuco e outros estados.

Vitalino deixou um imenso legado, é inegável reconhecer isso. Sua obra ainda hoje desperta curiosidade, beleza e fascinação. É o resultado da mistura perfeita entre a sabedoria popular e a técnica criativa do ser humano, culminando num momento artístico que transpassa o tempo e a memória, caracterizando um povo, uma região, uma cultura.

A homenagem do prefeito José Queiroz é bastante oportuna e Caruaru, certamente, honrará com todos os méritos seu mais ilustre representante popular.

OBS: Vitalino morreu em Caruaru, no Alto do Moura, no mesmo local onde hoje funciona a Casa-Museu do Mestre Vitalino. Em tempo, sua obra pode ser vista não somente em sua cidade natal, como também no acervo do Museu do Homem do Nordeste, que fica na Fundação Joaquim Nabuco, Av. 17 de Agosto, Casa Forte, Recife-PE.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Patrimônio ameaçado

Ontem, assistindo os telejornais no início da noite, me deparei com uma notícia que não me deixou nem um pouco feliz: há quase 3 anos, tanto o Museu do Mamulengo como o Espaço Sílvio Botelho (bonecos gigantes de Olinda) encontram-se desativados por ordem do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico-Artístico Nacional). A estrutura dos prédios que guardam essas duas memórias do carnaval de Olinda e de Pernambuco está sensivelmente prejudicada por infiltrações e rachaduras provocadas pelo desgaste do tempo, já que as casas são feitas de estruturas ainda do século XVIII.

O que me deixa mais revoltado é ver que a verba de 900 mil reais demorou três anos para chegar nas mãos do IPHAN, que realizou diversos estudos no local juntamente com técnicos do departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFPE para avaliar as condições visando dar início às obras no local. De qualquer forma, finalmente, no dia de ontem, saiu a liberação e o mobiliário começou a ser removido para que, nos próximos seis meses, os dois espaços sejam recuperados.

A prefeitura de Olinda, porém, conseguiu um novo espaço para o Museu do Mamulengo, mas não deu a mesma importância quando em se tratando do espaço de Sílvio Botelho, o maior bonequeiro de Olinda. Seu local de trabalho, transformado também em museu, registrava 10 mil visitas por ano, levando a cultura de Pernambuco e de Olinda a públicos variados, sempre contagiados pela magia que é a brincadeira desses bonecos de imenso tamanho carregados nas costas de foliões, subindo e descendo ladeiras durante os 4 dias de folia.

Esse descaso provocou um sensível prejuízo no trabalho do artista, que vive do incentivo não somente do seu público, como principalmente das verbas que lhe são destinadas pela autoridade competente (Secretaria de Cultura do Município). Tal dificuldade é comum (??) nos processos culturais dos estados nordestinos hoje em dia, o que faz os artistas lutarem bravamente contra o descaso e o esquecimento da hierarquia pelos seus trabalhos.

O carnaval se aproxima e novamente veremos a magia de bonecos, blocos, troças, maracatus, ritos afro-brasileiros, entre tantos exemplares da cultura miscigenada brasileira durante 4 dias. Espero que novamente esta lembrança não se limite aos 4 dias e que, durante o ano todo, sobreviva a memória de uma das culturas mais ricas do Brasil.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Adotar é preciso

No dia 25 de setembro do ano passado, a Folha de Pernambuco trouxe uma curta reportagem sobre o bloco de máscaras Galo da Madrugada (reconhecidamente o maior do mundo) que falava da adoção da Praça Sérgio Lorêto, local de partida do tradicional desfile do bloco todos os anos no sábado de Zé Pereira, pelo mesmo. Inicialmente, não é uma notícia tão impactante, mas pense no outro significado que esse anúncio possuiu.

Em 2009, o fundador do Galo (falecido em 2008), Enéas Freire, será o homenageado do Carnaval do Recife, ao lado do artista plástico Cícero Dias e do compositor Carlos Fernando. A praça Sérgio Lorêto, antes abandonada pela Prefeitura do Recife (não entendo o porquê...), ganhará duas estátuas em tamanho mediano: uma do fundador e uma do animal que representa o bloco, que decidiu adotar a praça por esta historicamente ser um marco anual do desfile da agremiação, que atrai mais de 1,5 mi de foliões todos os anos para as ruas do Recife.

Este pequeno gesto do ex-genro de Enéas Freire e responsável pelo Palácio do Galo - um local que reúne toda a história da agremiação e parte considerável da história do Carnaval de Recife a partir de 1979 - Rômulo Meneses, indica exatamente a importância que as autoridades deveriam dar às praças do Recife. Antes vistas como espaços de convivência, especialmente durante os séculos XVIII, XIX e XX (até os anos 80), as praças do Recife foram deixadas ao acaso, mal cuidadas pelas autoridades públicas, tomadas como espaços de vândalos e mundanos, vistas como locais de alta periculosidade e não mais como ambientes saudáveis onde famílias, casais e amigos pudessem desfrutar de agradáveis horas de boa conversa e companhia.

Atualmente, os gestores públicos preocupam-se em impactar olhares através de projetos faraônicos como o Parque Dona Lindu, mas esquecem que as praças foram espaços onde se construiu muito da cultura pernambucana, onde nasceram as inspirações de poetas, pintores, escritores, artistas plásticos, cordelistas, entre outros. Apagar a importância das praças do Recife da memória do povo é ignorar a constituição da história cultural do Recife e, sobretudo, de Pernambuco.

Tiro o chapéu para a iniciativa do Galo, pois se as autoridades não se importam, ainda há aqueles que sabem reconhecer aquilo que Recife e Pernambuco possuem, culturalmente, como memórias autênticas e muito vivas de sua longa história.

E que venha a folia de Momo pra gente ver o Galo passar...!

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Brincar de Viver

Os horrores do conflito sob a Faixa de Gaza, no Oriente Médio, nos mostram, todos os dias, que simples diferenças religiosas não são capazes de serem aceitas com facilidade. As divergências entre palestinos e israelenses ultrapassam os limites naturais do que conhecemos como lógica e produzem cenas grotescas que chocam e fazem-nos questionar: até quando? Entretanto, nem todos estão tão preocupados com o desfecho desses conflitos. É o caso de dois garotos que colecionam fragmentos dos mísseis Qassam disparados nos, até agora, 11 dias de ofensiva israelense sobre os palestinos.

A notícia está veiculando no site G1, o portal de notícias da Rede Globo. Os correspondentes afirmam que Yinon Tubi, de 11 anos, coleciona as peças que caem dos foguetes partidos da Faixa de Gaza em sua rua e seu jardim como forma de divertimento juntamente com seu amigo e vizinho. O pai, que é professor da escola religiosa do bairro, vê com naturalidade a atitude do garoto e diz que "é uma forma de esquecer e superar o medo causado pela guerra", mas tem receio de que o mesmo decida colecionar os artefatos ainda quando eles estiverem em rota de colisão. Até agora, o garoto já colecionou mais de 50 fragmentos de foguetes.

Essa atitude de Yinon demonstra que a guerra nem sempre é tratada como um processo decisivo na vida de um grupo étnico, religioso ou político. Objetos, usados costumeiramente para matar, agora servem como brinquedos que alimentam esperanças de vidas melhores com o nascer de um novo sol a cada dia.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Cidadão do Brasil

Nesse nosso Brasil farto de criatividade e de surpresas, sempre destacamos importantes obras culturais. Hoje, posto uma música feita por um primo meu que carinhosamente chamo de tio por seus cabelos brancos e farta experiência na capital federal deste país que vivemos. Ei-la:

Cidadão do Brasil
Josival Barreto (letra e música)

Caboclo do Nordeste
Matuto do Sertão
Brasil, cabra-da-peste
És tu, meu irmão!
Vai forte, vai em frente
Vai longe nesse chão
Vai plantar a semente
Da tua razão!

Vai!
Meu irmão,
Vai lutar, vai votar, vai dizer!...
Vai!
Quem não vai
Vai ficar, vai parar, vai morrer!

É pouco teu salário
É grande tua aflição
Nascente proletário
Mas és cidadão!
Tens marcas do imposto
Que pagas à nação
Nas rugas do teu rosto
Nos calos do sertão


O ritmo é marcado por um xaxado com incrementos de bandolim. A composição foi assinada pelo autor no dia 2 de outubro de 1982.